Quando o filho se torna pai de seu pai.
Uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõe e a ordem natural não tem sentido: É quando o filho se torna pai de seu paiÉ quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso. É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai outrora firme enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair do lugar. É quando aquele pai que antigamente mandava e ordenava hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e a janela. É quando aquele pai antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembra de tomar seus remédios.E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.Todo filho é pai da morte de seu pai.Ou quem sabe,a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para desenvolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com amizade.E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte. E triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco a cada dia.Meu amigo acompanhou o pai até seus derradeiros minutos. No hospital a enfermeira fazia a manobra da cama para maca ,buscando repor os lençóis quando ele gritou de sua cadeira:
- Deixa que eu ajudo!
Reuniu suas forças e pela primeira vez pegou seu pai no colo. Colocou seu rosto contra o peito. Ajeitou em seus ombros o pai consumido pela doença. Ficou segurando um bom tempo. Tempo equivalente à sua infância, a sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.Embalou o pai de um lado para o outro e apenas dizia sussurrando:
( Fabrício Carpinejar )- Eu estou aqui!